quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
O mundo não é um bufê de festinha infantil
sábado, 24 de dezembro de 2011
Receita pré-ano novo
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Hora certa
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Sem saber
sábado, 17 de dezembro de 2011
A grande merda
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Be not afraid of fear
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
No enquanto
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Because the world is round it turns me on
E tem também aqueles mundos que a gente não quer que acabe de jeito nenhum. E aí a gente cuida. E aí eles ficam grandes. E aí a gente fica giro-orbitando por eles e plantando histórias e arquitetando mapas. Quando a gente vê, já tem até habitante.
Mas acontece que mundos acabam todos dias e ninguém se acostuma com isso nunca.
E embora nenhum mundo nasça de novo – porque aleatoriamente nunca é igual – a gente sorri de certeza.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Motivos
Eu não costumava contar para as pessoas. Porque demorou muito até eu entender o que era depressão e isso tudo. Então eu não costumava contar para as pessoas porque nem eu sabia. A minha vida toda, até a hora em que eu ouvi minha analista dizendo "você tem depressão, você tem que aprender a viver assim", eu achava que era dramática.
Mas, né? Para nenhuma adolescente, por mais dramática que seja, é normal chorar no chão da cozinha porque não tem forças pra levantar e chegar até o quarto.
Daí eu só entendi há alguns anos e nunca soube direito como agir. Eu devo falar de cara, quando conheço alguém, pra preparar a pessoa? "Oi, eu sou estudante e também sou depressiva, e você?" Espero um dia ruim chegar pra explicar que, olha, não é por nada, nem é falta de educação, eu não tô a fim de conversar porque tô mais a fim de chorar? Nunca sei como tocar no assunto. Ou mesmo se devo tocar ou não. Porque não é desculpa, eu não quero usar como desculpa. Eu só quero explicar mesmo.
Mas essa hora sempre chega. E não importa o que eu tenha decidido fazer. Se eu não falei nada. Se eu falei em forma de piadinha. Se eu falei sério. Se eu falei como quem não quer nada. A hora de contar por que eu não retornei a ligação, por que eu demorei tanto pra responder o e-mail, por que eu tô com essa cara e não dei um sorriso. Essa hora sempre chega.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
As melhores coisas do mundo
O palito de fósforo quente que eu gosto de apagar na gotinha de água da pia pra fazer tsssssssssssssssssss. É uma. E você vai entender bem, porque, por acaso, também gosta.
Quando eu faço banana amassada, coloco farinha láctea e depois mel. Deixo o mel escorrer da colher em um fio bem fino, e aí vou passando o fio pelo farinha e ela magicamente se enrola no mel. É sensacional.
Cinco gotas de própolis no leite quente com achocolatado – o sentido da vida muda nesse instante.
Conseguir acender o aquecedor de 1815 de primeira, uma vitória que eu nunca me canso de comemorar.
Essa não sei se vai dar pra entender, mas não errar nenhuma vez na hora de fazer o “rabinho do delineador” é praticamente ganhar na loteria da beleza.
Abrir o e-mail exatamente na hora em que ele chega. É meio que uma sensação de ter ganhado muito tempo na vida. Confuso e bem coisa de “addicted”. Mas quem sabe te ajude a entender.
Comer cereais bem rapidinho pra não dar tempo de o leite amolecer os flocos de milho, porque aí não fica mais crocante.
Encerrado os exemplos, eu te comunico que você pode se considerar muito privilegiado por eu te dizer que é, também, o melhor do mundo. Não por minha causa, é claro. Mas na minha opinião, pra alguém estar na mesma categoria do barulhinho do fósforo na água, da farinha láctea enrolando no mel e até do e-mail lido quase em tempo real, você não é, definitivamente, um exagero. “Você me entende?”
domingo, 11 de dezembro de 2011
Sem complicações
Há conversas que nunca terminam e dúvidas que jamais desaparecem. Sobre a melhor maneira de iniciar uma relação, por exemplo. Muita gente acredita que aquilo que se ganha com facilidade se perde do mesmo jeito. Acham que as relações que exigem esforço têm mais valor. Mulheres difíceis de conquistar, homens difíceis de manter, namoros que dão trabalho - esses tendem a ser mais importantes e duradouros. Mas será verdade?
Eu suspeito que não.
Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de nós. Se o garoto na mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar nos seus defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola assim de graça. Se ele não resiste aos meus escassos encantos é uma homem fácil – e homens fáceis não valem nada, certo? O nome disso, damas e cavalheiros, é baixa auto-estima: não entro em clube que me queira como sócia. É engraçado, mas dói.
Também somos educados para o sacrifício. Aquilo que ganhamos sem suor não tem valor. Somos uma sociedade de lutadores, não somos? Temos de nos esforçar para obter recompensas. As coisas que realmente valem a pena são obtidas à duras penas. E por aí vai. De tanto ouvir essa conversa - na escola, no esporte, no escritório - levamos seus pressupostos para a vida afetiva. Acabamos acreditando que também no terreno do afeto deveríamos ser capazes de lutar, sofrer e triunfar. Precisamos de conquistas épicas para contar no jantar de domingo. Se for fácil demais, não vale. Amor assim não tem graça, diz um amigo meu. Será mesmo?
Minha experiência sugere o contrário.
Toda vez que eu insisti com quem não estava interessado deu errado. Toda vez que tentei escalar o muro da indiferença foi inútil. Ou descobri que do outro lado não havia nada. Na minha experiência, amor é um território em que coragem e a iniciativa são premiadas, mas empenho, persistência e determinação nunca trouxeram resultado.
Relato essa experiência para discutir uma questão que me parece da maior gravidade: o quanto deveríamos insistir em obter a atenção de uma pessoa que não parece retribuir os nossos sentimentos?
Quem está emocionalmente disponível lida com esse tipo de dilema o tempo todo. Você conhece a figura, acha bacana, liga uns dias depois e ela não atende e nem liga de volta. O que fazer? Você sai com a pessoa, acha ela o máximo, tenta um segundo encontro e ela reluta em marcar a data. Como proceder a partir daí? Você começou uma relação, está se apaixonando, mas a outra parte, um belo dia, deixa de retornar seus telefonemas. O que se faz? Você está apaixonado ou apaixonada, levou um pé na bunda e mal consegue respirar. É o caso de tentar reconquistar ou seria melhor proteger-se e ajudar o sentimento a morrer?
Todas essas situações conduzem à mesma escolha: insistir ou desistir?
Quem acha que o amor é um campo de batalha geralmente opta pela insistência. Quem acha que ele é uma ocorrência espontânea tende a escolher a desistência (embora isso pareça feio). Na prática, como não temos 100% de certeza sobre as coisas, e como não nos controlamos 100%, oscilamos entre uma e outra posição, ao sabor das circunstâncias e do tamanho do envolvimento. Mas a maioria de nós, mesmo de forma inconsciente, traça um limite para o quanto se empenhar (ou rastejar) num caso desses. Quem não tem limites sofre além da conta – e frequentemente faz papel de bobo, com resultados pífios.
Uma das minhas teorias favoritas é que mesmo que a pessoa ceda a um assédio longo e custoso a relação estará envenenada. Pela simples razão de que ninguém é esnobado por muito tempo ou de forma muito ostensiva sem desenvolver ressentimentos. E ressentimentos não se dissipam. Eles ficam e cobram um preço. Cedo ou tarde a conta chega. E o tipo de personalidade que insiste demais numa conquista pode estar movida por motivos errados: o interesse é pela pessoa ou pela dificuldade? É um caso de amor ou de amor próprio?
Ser amado de graça, por outro lado, não tem preço. É a homenagem mais bacana que uma pessoa pode nos fazer. Você está ali, na vida (no trabalho, na balada, nas férias, no churrasco, na casa do amigo) e a pessoa simplesmente gosta de você. Ou você se aproxima com uma conversa fiada e ela recebe esse gesto de braços abertos. O que pode ser melhor do que isso? O que pode ser melhor do que ser gostado por aquilo que se é – sem truques, sem jogos de sedução, sem premeditações? Neste momento eu não consigo me lembrar de nada.
sábado, 10 de dezembro de 2011
Sinestesia
Músicas que ficam com cheiro de gente. Acordes que parecem envolvidos em uma nuvem de perfume conhecido, aquele perfume que um dia já ficou grudado no seu travesseiro. Talvez nem seja perfume, talvez seja o cheiro da pele, isso, o cheiro da pele que se acostumou com as fronhas e lençóis e, por dias, semanas, talvez meses, ficou ali. O cheiro que ficou ali até que você tivesse coragem de trocar a roupa de cama. Trocar a roupa de cama é o momento em que você se prepara para se libertar daquele cheiro, talvez nunca mais senti-lo novamente. Você não espera que ele vá estar em suas músicas também. Não espera ouvir um cheiro, sentir uma música pelo olfato, quase tateando as cifras através de lembranças.
Ensaboar não adianta, o cheiro não está em você, ele faz parte de você. Digo isso com a pele esfolada. Achei realmente que estava em mim. Quis deletar as músicas. Essas músicas insuportavelmente cheirando a gente. Gente mofada, guardada, amassada.
Ouço o cheiro como se o quisesse de volta na gola do meu pijama. Nem uso mais pijama. Parece, na verdade, que o quero em todas as minhas roupas.
Quero mesmo é arrancar um pedaço da música. Rasgá-la como um vestido velho e guardar no bolso. Guardar no bolso e nunca colocar o pedaço de pano com cheiro de pele para lavar. Já lavei uma vez. Não posso correr o risco de perder seu perfume na água corrente de novo. Mesmo que ele esteja apenas em forma de música, mesmo que ele nem exista mais, mesmo que você esteja usando outro perfume agora, que seu cheiro esteja diferente, não me importa.
Me contento com a melodia da voz de um cantor qualquer, me contento com a cadência quebrada enquanto não posso ter aquele cheiro velho nas minhas roupas novas, me contento em ouvir palavras que já decorei faz tempo com cheiro que só agora percebi que estava ali, ouvir palavras cantadas em voz rouca com cheiro de você.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Doze dezembros
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
Sur-pre-saaa!!!
Pronto. Agora vocês contem até 10. Mas bem baixinho. E assim que ele acessar essa página, respirem fundo e depois gritem com todo ar que tiverem no pulmão “ Feliz aniversário, Flávinho!”.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Mapa do tesouro perdido
E daí minha mãe me disse que eu não posso mais fugir. Da realidade, do espelho, das pessoas, da varanda. Tentei explicar que é só o que eu sei fazer, tentei tricotar uma boa desculpa para me justificar, para me aquecer, para enrolá-la. Mas ela conhece minha pobreza de argumentos, minha falta de traquejo, minha vontade de enfiar a cabeça embaixo da terra e esperar o dia terminar - ou os dias - e não me deixa falar, não me deixa sequer abrir a boca sem me alfinetar, sem martelar meu dedo mindinho com o passado.
Meu passado de camisetas suadas e mãos geladas por baixo da mesa, de passeios pela praia e conversas abafadas por música alta, de contas de celular que vou pagar até me aposentar. Histórias transbordando de "quases". Quase não fugi. Mas fugi.
Meus dedos indicadores são calejados de ansiedade, de impaciência. Minha mão inteira é áspera de uma vida me esfregando em fronhas, arrastando a cama de um lado para o outro tentando fugir da insônia. Fugir me deixou áspera, eu acho. "Posso parar a qualquer momento" e lá estou eu fugindo de novo. Da análise, do telefone, do reencontro de colégio, do amor, do merthiolate que arde, de mim.
Deixo que as pessoas erradas abram meu coração. Até olhei no livro do plano de saúde, mas quando cheguei pra cirurgia faltava o anestesista. E eu fugi quando senti o primeiro talho do bisturi. Confundiram morfina com soro fisiológico e me cortaram mesmo assim. Chego em casa sangrando e mostro o corte que trago no peito, bem limpo, bem fácil de costurar, mas minha mãe pega a linha preta - a da minha cor acabou - e costura um grande mapa em minha pele, o mapa de onde eu não devo mais ir? Ou o mapa para onde devo fugir? Não sei, fechei os olhos nessa hora, nem quis saber o significado. Só sei que transformo amor em passado, como quem coloca caldo demais no macarrão e o transforma em sopa.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Farelos
E nesses tempos tão estranhos, esmigalho os biscoitos com as mãos e os jogo no copo. Assisto enquanto eles se desmancham e vão tornando o leite em volta cada vez menos branco. Como de colher. Colher de café para fazer durar mais. Sempre quero que dure mais. Aproveito a liberdade da solidão para não me importar em pegar um guardanapo quando sinto o leite escorrendo pelo canto dos lábios. Limpo com as costas das mãos e seco na fronha do travesseiro. O travesseiro no qual encosto a cabeça para dormir.
Você nunca pode comer na rua do mesmo jeito que come em casa. Você não deveria compartilhar esses hábitos tão particulares também, mas às vezes você conhece algumas pessoas que parecem entender, e então você fala. Você conta suas nojeiras mais secretas, sem imaginar que, aqueles com olhos tão compreensivos, nunca comeram uma coxinha de frango sem usar talheres. Pessoas que fingem te entender, mas que não conseguem disfarçar a expressão de asco ao te ouvir. Na rua você tem que estar com o cabelo penteado, com as roupas sem manchas, com os cotovelos longe da mesa e os garfos e facas alinhados em volta do prato. Na rua você tem que ser alguém bem educado, bem resolvido, bem vestido.
Por isso, não quero te encontrar em um restaurante. A rua tira um pouco do que cada um é de verdade. Eu já separei uma enorme pilha de filmes para assistirmos, mas você vai ter que parar de me oferecer seus lenços para eu limpar meu queixo sujo de molho de tomate. Estamos em casa, de pijamas listrados, com golas duras de pasta de dente. Mangas compridas limpas não têm a mesma graça. Usar talheres em casa não sacia a fome. Você dizer que me entende pelas músicas que mostrei é hipocrisia. Você não vai me entender até que seja obrigado a espanar as migalhas de pão da minha cama com o antebraço. Por favor, senta, deita, se enrola na coberta e deixa que amanhã o lençol já vai estar seco.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Pombos Vs. Predador
Estava atravessando a rua, no Centro, quando notei que dois pombos disputavam a chegada até a calçada comigo. Fui recuando, já naquela posição de proteção, com as mãos esticadas no ar, como se eles fossem voar a qualquer segundo em minha direção. Tenho pavor das finas que os pombos tiram da gente. Eles nunca voam em nossa direção. Normalmente fogem da gente. Os pombos não voam mais. Agora eles correm como galinhas.
Já perceberam que raramente um ser humano está interessado em lhes amassar a cabeça. Portanto, não precisam mais bater asas. Economizam energia.
Houve um tempo em que as pessoas viajavam pro estrangeiro e não deixavam faltar no álbum uma foto com pombos espalhados pelo corpo. Os bichos faziam parte de um cenário romântico. Hoje são como meninos de rua, caçadores de migalhas. Se eles chegam muito perto, a gente espanta. Se eles entram num shopping, a gente pede pro segurança tomar uma atitude.
Essa ave de origem asiática, que convive há mais de 10 mil anos com o homem, ocupa hoje o quarto lugar em números de chamadas para combate a pragas da Divisão de Controle de Animais Sinantrópicos (aqueles que vivem próximos aos humanos e prejudicam-nos de alguma maneira). Só perdem para ratos, escorpiões e pulgas.
Entraram para a categoria de pragas miseráveis, sem qualquer glamour. São considerados transmissores de doenças e já perderam o título de símbolo da paz há muito tempo. Em Veneza, por exemplo, repelentes específicos e sistema de eletrificação nos monumentos e prédios evitam a aproximação da espécie.
Ao contrário do que muita gente pensa, a abundância de alimentos não é a principal causa da proliferação da ave nas cidades e seu consequente rebaixamento à condição de peste urbana. Segundo a bióloga Mônica Schüller, que estuda o comportamento dos pombos em São Paulo, uma espécie – animal ou vegetal – passa a ser uma praga quando o número de animais que se alimentam dessa espécie diminui, permitindo sua proliferação exagerada.
"Longe de riscos, a espécie encontra condições de se reproduzir descontroladamente, tornando-se uma praga”, explica. Como uma série de outros animais, incluindo nós, os bípedes evoluídos, eles constroem ninhos em qualquer canto e se reproduzem quase que infinitamente.
Vamos pelo mesmo caminho. Produzimos e comemos lixo, invadimos e devastamos todos os campos, brigamos por um pedaço de terra, sonhamos com um canto para construir nosso ninho, nos multiplicamos de forma descontrolada e nos aglomeramos em grandes centros, onde as migalhas parecem ser mais abundantes.
Enfim, somos uma puta de uma praga.
terça-feira, 29 de novembro de 2011
À procura.
Sempre pensei como adulto, sempre sofri como adulto, mas agora, relendo alguns diários e textos antigos, vejo páginas e mais páginas contendo apenas pensamentos de criança, que criança é essa que aparentemente eu fui e nunca conheci?
Fiquei tentando encontrar uma explicação para entender essa distância tão grande entre o que eu achava que sentia e o que eu sentia de verdade, ou o que eu deixava transparecer através de palavras coloridas com canetas hidrocor, cada letra de um tom diferente de rosa, e só consegui pensar em uma coisa: talvez a intensidade de algumas ideias e pensamentos seja tão grande (para mim e para qualquer um) que quem os têm em mente acaba por sentir-se mais maduro e mais adulto apenas pelo fato de tê-los.
Uma vez a pessoa sendo arrebatada por esses sentimentos tão assustadoramente desconhecidos e não conseguindo compreender a si mesma, ela acaba achando que aquilo só pode ser um sentimento, um sofrimento, um pensamento de adulto, já que nos acostumamos a relacionar a vida adulta com conceitos de sabedoria e maturidade e compreensão de certas lógicas e fatos que uma criança jamais teria a capacidade de entender, a incompreensão, portanto, nos leva a amplificar o sofrimento.
Porém, quando tudo o que parece tão grande dentro da cabeça é transcrito para o papel, podemos perceber toda a imaturidade inoculada em lágrimas para a qual estávamos cegos. Lendo, você consegue avaliar as próprias palavras como se fossem de outra pessoa e, bem, as outras pessoas sempre parecem tão infantis e egocêntricas, não é mesmo? Sim, elas são, e você também é, e eu também sou, mas é impossível perceber isso se não nos olharmos de fora e não nos abrirmos para a análise crítica e impiedosa de nós mesmos, nós que, infelizmente, insistimos em sofrer como adultos por coisas de criança.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Pedregulhos.
A parede da minha sala é feita com pedras do chão da rua. Duas avenidas e três praças me encaram na vertical, com seus pedaços encaixados, confundindo cola com gravidade. Às vezes me esqueço que é parede e erro o caminho. Ando em direção à porta e, de repente, me encontro no teto. E, então, despenco, sem graça, segurando o cós da calça enquanto vou recolhendo as unhas e dentes que perdi na queda. Por favor, não vá me dizer que eu subi na parede porque quis.
Perdi as profundidades, e a realidade eu comi com pão. Me desequilibro nas pedras, rachadas e mal coladas. Me perco em casa. Enfio o dedo na tomada e tropeço no fio da televisão. Vejo os olhares tortos de quem come com calma na mesa da cozinha. Talvez a casa só esteja rodando em volta de mim (ou talvez eu que esteja rodando em volta da casa). Quero mostrar pra você o que eu vejo agora que meus óculos ficaram presos no lustre. Deixe que eu me explique antes de me mandar descer e esquentar a sopa - esquentar não, ferver - para matar até os últimos resquícios de bactérias e sentimentos e lembranças que ainda me permito guardar.
Fico de olhos fechados, torcendo para que eles não quebrem ao meio como o resto de mim. Talvez não exista mesmo mais o que falar, não agora que percorro tantas ruas entre o chão e o teto, não agora que cavei buracos por toda a cidade para me criar uma parede.
Você pode me vendar e contar até dez, me empurrar e segurar os meus pés. Não me importa mais o que faça, comigo ou com as outras pessoas, depois que construí minha parede com pedras de rua, em qualquer lugar que eu esteja, me encontro no chão.