quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Duas décadas.

Eu e Lucas nos conhecemos em Bogotá, em 1974. Ele estava em uma clínica de reabilitação para dependentes sexuais/fãs de Beatles/bebedores de Heineken e eu estava lá apenas para passar o final de semana porque eu acho clínicas de reabilitação divertidas. Em duas semanas internados em quartos contíguos, nós, apenas nos comunicando através do vão da porta, conseguimos descobrir a cura para o câncer, a Aids, o Ebóla, e em parceria com Nelson Motta, compusemos “A Cura”, para o Lulu Santos. Foi nesse ponto que os médicos do local acharam que nossos casos eram graves demais (afinal, músicas para o Lulu Santos…meu Deus…) e nos deram alta, nos enviando para Malta, a ilha. De onde nós rapidamente voltamos, porque não tinha nada de legal por lá.
Foi uma imensa surpresa então quando nos reencontramos no Colégio Militar, em 3657 (pelo calendário judaico). Lá nos tornamos novamente amigos, fundamos um jornal, fomos punidos por termos fundado um jornal, continuamos o jornal mesmo assim, e quando todos já tinham se acostumado nós paramos com o jornal, apenas porque somos babacas. Foi graças à Lucas que conheci o mundo, a dura e triste realidade adolescente, onde desenvolvi uma dupla personalidade, engordei sei lá quantos quilos, tomei os maiores porres da minha vida e descobri que “não sou praieiro, tô solteiro, funileiro e vou pular no cesto de lixo”.
Lucas também estava próximo quando apanhei de vergonha naquela maldita festa de 15 anos onde um amigo nosso foi príncipe, quando meu primeiro namoro terminou, quando meus pais entraram em crise, quando eu estava jogado em casa sem dinheiro, quando meu avô morreu e naquela noite em que eu quase entrei em coma alcoólico por causa de vodca. Ou seja, apesar de não me dar sorte, Lucas é alguém com quem eu posso contar.
Durante todos esses anos Lucas foi meu amigo, irmão, pretendente, editor e comentarista. Ainda que eu não tenha publicado nada… E em quatro anos de amizade eu posso dizer, com convicção, que Lucas só vacilou comigo uma vez. E sempre se pode dizer em defesa dele que minha acusação não tem base em provas, deixo estar.
É por essas e outras razões que gostaria de usar esse espaço para desejar as mais sinceras felicidades ao Lucas, assim como os meus parabéns.
E não há nada melhor para fazer no aniversário desse grande parceiro do que compartilhar com vocês algumas das grandes lições e orientações de vida que eu recebi dele durante esses curtos anos de amizade.
Não existe mulher impossível, existe cantada ruim” – Com essa frase Lucas tenta nos demonstrar que todo e qualquer objetivo é atingível se abordado da forma certa e com o nível de esforço necessário. Mais do que dizer que sim, dá pra ficar com a mulher que você quiser se você souber atingir o nível de exigência dela (algumas podem exigir que você nasça de novo). A mensagem central é de que tudo é possível, sonhos existem para ser sonhados e as únicas coisas que limitam um homem são os limites que ele mesmo se impõe. E claro, dá pra ficar com qualquer mulher se você souber chegar do jeito certo. Quer dizer, ao menos pro Lucas dá, eu sinceramente nunca acreditei nesse papo.
“Você nunca está velho demais para o carnaval de Recife” – Mais uma vez Lucas usa de uma metáfora simples para nos dizer que nunca é tarde demais para nada. Não, com isso ele evidentemente não quis dizer apenas que nós não devemos nos sentir ridículos por estarmos aos 30 anos sentados numa praça aproveitando um carnaval em que todo mundo parece ter 19, que deveríamos repensar nosso conceito de maturidade ou mesmo de incentivarmos amigos a abordar mulheres enquanto dança com uma latinha de cerveja na cabeça. Não, nada disso. Lucas quer nos mostrar que a juventude de que precisamos existe em nossos corações, em nossas mentes e isso não tem nenhuma relação com o fato de que a viagem para Recife é mais barata e por isso sobra mais dinheiro pra bebida.
“Ei, esse whisky é legítimo, estou te falando” – Com esta declaração, dada diante da garrafa de uma bebida de cor âmbar em cujo rótulo se lia “Hecho en La Estrada del camiño de Asunción, Escotchia”, Lucas nos demonstra que acima de tudo é preciso acreditar. Acreditar que a Escócia agora fica ali perto do Uruguai, acreditar que aquela festa de debutante ia mesmo ser legal, acreditar que nunca iríamos querer dar cabo da vida aos dez anos, acreditar que siamesas albinas são atraentes. Sim, Lucas tal qual um Obama de outra cor, outro peso, outra religião, outra nacionalidade e… bem, tal qual um Obama que não se parece em nada com o Obama, diz que acima de tudo devemos acreditar.
“Qualquer coisa se torna comestível com a quantidade certa de parmesão ” – Com essa frase Lucas nos mostra que não sabe cozinhar. E que consegue dizer coisas muito esquisitonas de vez em quando, se você for parar pra pensar…

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A nossa auto-imagem, ou seja, a forma como vemos a nós mesmos, é um dos aspectos mais complexos e fragmentados da nossa mente. Assim como uma espécie de Capitão Planeta (só que sem o garotinho segurando o macaco) ela é composta de vários fatores que vão desde o que nós somos até o que nós pensamos que somos passando pelo que nós pensamos que os outros pensam que nós somos, o que nós gostaríamos que os outros pensassem que nós somos, e mais inúmeros fatores e/ou outras frases que vão me confundir se eu tentar escrever. Ou seja, é o tipo do assunto complicado, esquisito e meio caótico que você tenta ao máximo fazer com que não venha à tona, mas que, como grande parte dos assuntos complicados, esquisitos e meio caóticos, acaba vindo à tona quando você gosta de alguém ou alguém gosta de você.
E isso por duas razões. A primeira é a de que nós sempre achamos que as outras pessoas têm sobre nós a mesma opinião que nós temos, ou que pelo menos vêem na gente as mesmas qualidades que nós vemos. Suponha que você, por exemplo, se ache moderadamente feio e significativamente irritante, mas tente compensar isso sendo relativamente engraçado e moderadamente inteligente, além de saber alguma coisa sobre filmes e seriados. Esse é, em síntese, o seu set básico de qualidades e defeitos, na sua visão. Então quando você está com uma garota que tem uma opinião um tanto quanto diferente da sua, você fica claramente confuso. Afinal, se ela fala que não vê graça no seu senso de humor e que não se interessa por seriados a sensação que fica é a de um imenso WTF em relação ao porque dela gostar de você. E quando ele diz que está contigo porque, sei lá, te acha bonita, tem uma queda por garotas de óculos ou é vítima de uma praga judaica que faz com que ele goste de pessoas cujas iniciais são iguais as suas (o que for mais improvável), você vai simplesmente pensar que ele está de sacanagem e demorar bem mais tempo pra processar o fato de que talvez ele possa realmente se sentir daquele jeito (devem existir mesmo pragas judaicas, certo?).

Por outro lado nós também temos uma imensa dificuldade pra entender que as pessoas podem se ver de uma forma totalmente diferente de como são vistas por nós. Aquela garota que você acha fisicamente perfeita, linda, absurdamente atraente e que só poderia ser descrita com frases como “ela é a felicidade em forma humana, com seios” ou “eu gostaria de ter problemas de narcolepsia apenas pra acordar do lado dela mais vezes por dia” pode realmente se achar gorda, feia ou ter uma implicância com alguma parte do próprio corpo que você considera total e absolutamente irracional (“amor, eu estou vendo o raio-x pela sétima vez e continuo achando suas clavículas normais, me desculpa”), e isso não ser necessariamente charminho ou necessidade de auto-afirmação. E mesmo que você gaste horas dizendo o quanto ela é fascinante, interessante, divertida e é a coisa/pessoa que mais prendeu a sua atenção desde aquele encadernado do Starman ou do seu primeiro dia jogando “The force unleashed”, isso não vai impedir que ela ainda se ache em alguns momentos chata e desinteressante (ou que queira que você manifeste todo esse interesse exatamente durante o compacto dos gols da rodada)

Ou seja, um passo importante do processo de gostar de alguém é entender que essa pessoa vê os próprios defeitos e qualidades de uma forma totalmente única, sendo portanto o seu trabalho, gostando dela, lembrar que certos defeitos não são tão ruins quanto ela pensa, certas qualidades que ela talvez nem imagine estavam lá o tempo todo e que, ok, certas coisas que ela faz não são exatamente tão legais assim (“sabe aqueles seus passos de break dance, amor? então…”). E se deixar gostar possivelmente tem a ver com aceitar que nem sempre as pessoas gostam de nós pelas razões que nós gostaríamos ou esperaríamos, ou mesmo por qualquer razão que a gente seja capaz de compreender, considerar vagamente razoável ou entender de forma lógica. Porque as pragas judaicas estão aí pra isso, possivelmente.