domingo, 12 de setembro de 2010

Olga

Sem mais nem menos, ela começou a torcer meus dedos como se fossem parafusos. Depois, buscou um pedaço de metal quente e introduziu lentamente na carne – já inflamada – do meu dedão. Pressionou até sangrar. Um arrepio de dor parou na minha boca muda. O esforço sobre-humano para não dizer nada, para não chamar a atenção das outras mulheres que aguardavam o momento de terror.
Até que gritei: - Qual é o seu problema?
Ela me encarou e esbravejou: - Manicure almoça cedo, dona. Você me ferrou, vou ficar sem comer de novo.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Será que se não falássemos português a saudade que a gente sente seria diferente? Na próxima vida quero várias coisas. Quero ser patinadora de gelo na adolescência, escritora na vida adulta e quero morar na Toscana. Mas, além de tudo isso, quero nascer na Rússia. Ou na Dinamarca. Não quero mais sentir saudade em português. Quero simplesmente “miss ”, assim, bem de levinho e sem legenda.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Você, que é um pouco de mim. Seja eu, uma única vez.

Esse texto é para você. E é sobre você, ainda que seja quase que inteiramente sobre mim. Não, não tente localizar fatos familiares, mensagens subliminares que deixem claro que é sim, sobre e para você. Você provavelmente não vai encontrá-las. Isso tudo já foi dito, de um jeito ou de outro, antes mesmo de ter sido colocado em um texto.
Precisava dizer que cansei de dar conselhos. A verdade é que eu nem sei dar conselhos. Na próxima vez em que eu involuntariamente me virar para você com um conselho iminente, cubra meus lábios. Faça seus os meus conselhos, tire-os da minha boca e os dê você para mim. Eu preciso deles.
Você, que me inspira simplesmente por ser, por favor, troque de lugar comigo uma vez. Saiba que eu não sou a mulher perfeita, sem lugares para dor e sentimentos mundanos. Os tenho todos, em grande medida. Eles só estão bem escondidos. Não me inspire mais só por ser você. Sempre que me inspirar, tente me expirar também, para que eu busque outros ares, outras inspirações, de pessoas que me façam parte de suas vidas e que me transformem em mistura química perfeita dentro de seus pulmões.
Não, eu não acho que pedi demais pela sua companhia. O que queria era a companhia de mim mesma quando estava com você. Por isso você fez falta, por isso eu chorei. Eu me perdi quando perdi você. Você me perdeu, para sempre, quando não soube entender o que era bom em mim. E por isso eu não te quis mais, a partir do momento em que percebi que você não se achou em mim. E tudo ficou para trás. Como algo que sequer existiu.
Você foi aquela história que passou muito perto de ser real. E que por isso me fez viver em fantasia. Se um dia eu estiver com você de novo como naquela tarde, não vou perder tempo em ser alguém que imaginei ser agradável ao seu olhar. Vou ser eu mesma, vou olhar nos seus olhos, vou ter certeza de que você já me conhecia muito antes de me conhecer, vou puxá-lo para me aconchegar perto do seu tronco, vou aceitar o conforto dos seus braços, que me darão a sensação de um carinho seguro. Vou manter meus olhos fechados, vou ouvir o suspiro da sua respiração chegando perto e vou deixar que nossos lábios se toquem. Pelo menos uma vez.
Você, tão idealizado, tantas vezes culpado, foi muitas vezes vítima do que eu quis que fosse. Você, quantas vezes cego e quantas vezes insensível para saber em mim o que eu achava saber em você, foi tantas vezes raso, tantas vezes menos, tantas vezes além. Você, muitas vezes parte de mim, tantas outras simplesmente ausência.
Isso tudo é para você. Isso tudo é um pouco do que eu sei em mim sobre você. Você, que nem sabe que foi. Você, que nem sabe que é.

domingo, 5 de setembro de 2010

"What's your name?"

Tenho apreço por nomes. Deve ser de família. Minha mãe se preocupa tanto com isso que, quando minha irmã nasceu, não conseguiu decidir entre os nomes pré-selecionados. Queria sentir qual deles combinava mais com a personalidade da menina, na ocasião um joelho que só se expressava através do choro. Durante quase seis meses, fomos obrigados a chamá-la, alternadamente, de Isadora, Chiara e Bruna, gerando tamanha confusão mental no bebê que até nosso gato, quando chamado, atendia com mais prontidão. Ainda que tenha achado a experiência exagerada, entendo a sua motivação. Nomes têm o poder de influir no destino do nomeado. E não digo isso com base na onomástica ou na cabala, mas em outra escola tão poderosa quanto: o mau gosto.

Ouvi falar de um pai que queria registrar o filho como Rambo. O funcionário do cartório tentou dissuadi-lo, dizendo que Rambo não era um nome propriamente dito. Depois de muita conversa, chegaram num consenso e o filho foi registrado como Sylvester Stallone. Escapou de ser título de filme, mas continuou carregando nas costas um peso pesado. Imagino o primeiro dia de aula do garoto. Sylvester Stallone!, a professora deve ter chamado, e todos viraram para trás, esperando uma imensa massa de músculos e, ao verem um menino franzino, ainda cheirando a fraldas, devem ter caído na gargalhada, dando início a uma sucessão de constrangimentos que devem tê-lo acompanhado por toda a sua vida.
É inegável: nomes compõem uma imagem. Os artistas têm tanta consciência disso que sempre apelaram sem culpa para os pseudônimos. Sabe quem foi Agenor de Miranda Araújo Neto? O Cazuza. Dá para imaginar os fãs gritando “Agenor! Agenor! Agenor!”? Era capaz de os mais desavisados nem comprarem o disco, achando se tratar de um cantor de pagode. Se Xuxa não tivesse adotado outro nome, seu programa se chamaria Show da Maria da Graça, interessante só para os baixinhos evangélicos, e olha lá. E o que dizer de Malba Tahan? Esse escolheu um pseudônimo tão persuasivo que eu passei a infância inteira achando que lia um escritor árabe, quando na verdade lia o brazuca – e muito esperto ¬– Júlio César de Melo e Sousa.

Na literatura os nomes também têm um papel relevante, já que servem de ferramenta para definir o personagem. Nesse caso, a personalidade nasce antes e o nome vem como uma extensão dela, atingindo um grau de coerência raro no mundo dos mortais. Capitu consegue condensar, em seis letras, toda a aura de mistério e sedução da personagem. Uma Terezinha de olhar oblíquo e dissimulado não fascinaria tantos os leitores. Lewis Carrol acertou chamando sua personagem de Alice. Fosse Cassandra no País das Maravilhas e o público pensaria se tratar das aventuras de uma garota pervertida com um coelho ninfomaníaco.

Seja na ficção ou na realidade, há, por trás de cada nome, a projeção de um desejo. Todos querem promover socialmente o seu rebento, muitas vezes lançando mão de firulas indizíveis para atingir esse objetivo. As classes mais baixas apelam para o status do inglês, dando origem a Maycons, Uóchingtons, Gecicas e outras pérolas que, ironicamente, nem os anglo-saxões conhecem. Já a classe média – sempre cansada de ser mediana – tenta elevar o filho apostando em nomes aristocráticos ou na grandiosidade dos sufixos: “Cassio é simples demais. Vamos pôr Cassius. Ou, melhor ainda, Cassius Frabricius”. Com as classes mais altas, o ciclo se inverte. Esses buscam a simplicidade. Não porque não queiram provar nada para ninguém – no fundo, todo mundo quer –, mas porque o que querem provar é justamente que estão acima das aspirações sociais e, portanto, podem se dar ao luxo do despojamento impresso em Claras, Pedros e Marias.

Num mundo de anseios tão diversos, o resultado é uma sociedade formada por RGs que vão de Jesus Krystos a Darkison Wilsons. O que, no final das contas, não é de todo mau, pois faz com que uma pergunta tão banal quanto “qual o seu nome?” seja o começo de uma conversa, no mínimo, divertida.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Algumas pessoas não têm noção do impacto que as palavras delas podem causar sobre as outras. Eu só acho que deveriam considerar melhor isso.