sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O inferno é aqui.

Eu nunca tinha visto alguém chorar de calor. O que eu vim fazer aqui mesmo? Ah sim, fui expulso do Paraíso por ser tão sujo quanto Eva que provou do fruto proibido e influenciou Adão. Deus deve ter me falado que não fui um bom garoto, mas eu não lembro de nada disso. Ele nem me perguntou se eu queria vir para cá. Só falou de um tal de livre arbítrio e eu escolhi ser dono do meu próprio nariz. Inventei minhas próprias leis, ditei minhas próprias regras, fundei minha própria religião. Eu não poderia servir a um Deus tão egoísta. Ora, se Deus é Deus, Ele não precisa de servos nem de escravos. Como Ele pode querer que eu seja perfeito em um lugar como esse? Como posso resistir aos prazeres da carne e ser livre de pecados em um lugar como esse? Oh não, me deu um cérebro para pensar, mas não posso pensar, não posso questionar a existência. Me fez à sua imagem e semelhança mas não posso ser como Ele. Fico aqui nesse inferno inventando soluções para todos os problemas que Ele me dá e quando eu consigo, ele se mostra furioso e estraga tudo. Ele quer me ver na merda. Só pode. Vou sobrevivendo aos “trancos e barrancos” até morrer de câncer. E sempre que chego na porta do Paraíso, Ele me cospe na cara e me manda de volta para comer o pão que o diabo amassou. E é por isso que eu já chego gritando de pavor e nem lembro de nada. Deus não falou nada pra mim. Eu vou para onde eu quiser que agora eu tenho Carro, eu tenho Jatinho, eu tenho Submarino, Foguete e Nave Espacial... Se eu quiser ir até o Paraíso eu vou. Já pisei até na lua. E nunca estou satisfeito. Nunca encontro a Paz e chego cada vez mais fraco e cansado na porta dos céus, cada vez mais sujo, cada vez mais burro. E não posso nem amar porque amor pega AIDS.

E Deus continua furioso comigo.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Quadrilha.

João parece não estar nem aí prá Lili.
Lili então chuta o pau da barraca e fica com o Antonio.
Lili fica feliz e prova prá si mesma que o João não lhe merecia.
João classifica Lili como “vaca” e pega a Tereza.
Antonio e Lili; João e Tereza, logo terminam e voltam a freqüentar os mesmos lugares, em busca do tal do Amor. Ou de sexo.
Lili gosta mesmo é do João e João, de Lili.
Mas o João, sem querer mesmo, esquece sempre das coisas. E a Lili não tolera ser uma das “coisas” esquecidas. Ainda mais depois que o vizinho gordinho e punheteiro riu da sua cara quando a viu chorando, vestida de cinta-liga e lingerie vermelha, depois do João ter se esquecido do jantar.
Tereza também gosta do Antonio, e o Antonio da Tereza.
Mas tanto a Tereza, quanto o Antonio, não entendem essa fixação que ela tem por traí-lo só com mulheres. Ela diz que é a “diversidade”, que é prá apimentar a relação. E ele já cansou de afirmar que não importa o sexo, é chifre.
A Lili sabe que, no fundo, ela só deu pro Antonio prá provar prá si mesma que o João era qualquer um. O João ficou puto, mas também sabe que a Lili só faz essas coisas prá provar prá ele que tem algum valor.
A Tereza e o Antonio finalmente foram prá terapia.
Desde que o Antonio largou o emprego prá ser dono-de-casa e fazer compotas, a crise lésbica da Tereza era regular e freqüente.
A Lili sabia que queria mesmo era ficar com o João.
Mas depois que passou o pano nas últimas lágrimas do chão, já não sabia mais nada.
O João queria ficar com a Lili, mas ele queria tantas outras coisas também.
No final, ele queria mesmo era que a Lili aceitasse as suas desculpas. E ele passou a ficar puto quando ela deixou de aceitá-las.
O Raimundo voltou da Europa e a Lili voltou prá ele. O José terminou o namoro com a Joana e reatou o caso com a Lili. A Giulia e o J. P. continuam se amando, mas ele e a Lili também voltaram a amar se encontrar nas madrugadas. E a Lili de vez em quando também conhece um Paulo, um Rodrigo, um Carlos por aí.
O João conheceu a Carla e ela passou o último sábado chorando, vestida de cinta-liga e lingerie vermelha. O Luiz, vizinho da Carla, é bem legal. Ele é apaixonado por ela há alguns anos e é a pessoa mais fofa do mundo, toda vez que algum cara a faz chorar. Ele só não sabe que os caras fofos nunca comem ninguém.
A Tereza e o Antonio estão felizes. Eles largaram a terapia e mudaram para o interior. O Antonio agora vende compotas pela internet e a Tereza faz jóias de cobre vitrificado. Ela continua saindo com mulheres, mas agora o Antonio a acompanha.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Pessoas-urso.

Nada sei sobre ursos. Ou melhor, sei, sim. Atacam. E não há nenhum deles vivendo em florestas no Brasil. Engraçado, pois sabemos, por meio de filmes (em geral, norte-americanos), que os ursos podem ser animais muito ferozes. Mas a imagem infantil que temos de urso também é a de ursinho de pelúcia, uma coisa fofa e absolutamente acariciável. Parece uma fofura, à primeira vista. Mas em realidade, não é. É da sua natureza ser agressivo.
Conheci uma pessoa-urso. Sim, tive contato com uma. Quando a conheci, parecia doce, amável, perfeita para acariciar os outros. Estava sempre ali, esperando para atacar. E dando-me a impressão de ser perfeita. Mas ninguém é perfeito. Todo mundo sabe, mas eu demorei a aprender isso. A tal pessoa-urso acabou me ensinando, na marra. Pelos piores meios, aprendi que não se deve confiar em ninguém plenamente. Tenha sempre um pé atrás.
O sofrimento, dizem, leva ao engrandecimento. Não creio. Discordo. Sofrer é ruim. Aprendemos com os erros? Detesto essa expressão. Os erros (dos outros) nos ensinam a odiar. E odiar é muito bom, dizem os psicólogos, psiquiatras, pessoas que trabalham com a mente humana. Penso que é bom, também. O ódio é que nos faz fortes. Não as experiências ruins. As experiências ruins devem ser esquecidas. Mas o ódio sempre acaba ficando, de uma maneira ou de outra. E isso é péssimo. Precisamos aprender a conviver com o ódio, não deixando que nos domine.
As pessoas-urso estão por toda a parte. Em realidade, hoje sei que uma boa parte das pessoas são pessoas-urso. O problema é saber identificá-las. Mas hoje estou mais perita no assunto: carinho em excesso não é normal, vindo de alguém estranho. Desconfie de quem bajula muito, de quem beija muito, de quem abraça muito, de quem quer parecer a pessoa mais perfeita do mundo. Não deixe que o urso sufoque-o. Tente sufocá-lo.
Analisem-me, por favor. Não estou nem ligando.

É.

Como era de se esperar, a fina e torpe matéria dos sonhos não encontrou correspondência na realidade. Ela se dissolveu com bem menos que isso. Simplesmente não achou forma nos contornos da vida como ela é, com sua necessidade atroz de concretude. So boring.