sábado, 10 de março de 2012

Rigidez articulada

A noite me transforma em bloco e, por muito pouco, não chego a ser de carnaval, de rua, de gente. Saio em bloco de mim, com o ranger melódico das articulações inflamadas fazendo as vezes de samba. 

A manhã se refresca com a minha rigidez. 

Amanhã, com sorte, o cimento já não vai mais estar tão fresco, vai ser mais fácil levantar, vai ser melhor, isto é, se amanhã conseguir evitar o desprazer de vir a existir. O amanhã era muito mais agradável ontem, você vai ter que concordar, quando a gente sabia que ele não existia, quando ele parecia somente mais uma brincadeira da nossa doença, quando o corpo já estava mais curto e macio pelo fim do dia. O amanhã está calcificado na sua presença de hoje, faz uma vértebra consolidar-se na outra para impedir o movimento, impedir que eu caminhe até o dia seguinte, não precisava de ajuda, eu já me arrasto para longe.
Sei que você reserva o futuro especialmente para a morte, está certo, é à ela mesmo que ele pertence, nós temos ainda esses fantasmas de nós mesmos e os glicocorticóides, não precisamos de futuro. 
Minha inflexibilidade cresce assimétrica. 

O amanhã existe cada vez menos conforme a fusão do nosso eixo axial se torna completa, mas que sorte a nossa.
Minha rigidez se renova pela manhã.