quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Farelos

E nesses tempos tão estranhos, esmigalho os biscoitos com as mãos e os jogo no copo. Assisto enquanto eles se desmancham e vão tornando o leite em volta cada vez menos branco. Como de colher. Colher de café para fazer durar mais. Sempre quero que dure mais. Aproveito a liberdade da solidão para não me importar em pegar um guardanapo quando sinto o leite escorrendo pelo canto dos lábios. Limpo com as costas das mãos e seco na fronha do travesseiro. O travesseiro no qual encosto a cabeça para dormir.

Você nunca pode comer na rua do mesmo jeito que come em casa. Você não deveria compartilhar esses hábitos tão particulares também, mas às vezes você conhece algumas pessoas que parecem entender, e então você fala. Você conta suas nojeiras mais secretas, sem imaginar que, aqueles com olhos tão compreensivos, nunca comeram uma coxinha de frango sem usar talheres. Pessoas que fingem te entender, mas que não conseguem disfarçar a expressão de asco ao te ouvir. Na rua você tem que estar com o cabelo penteado, com as roupas sem manchas, com os cotovelos longe da mesa e os garfos e facas alinhados em volta do prato. Na rua você tem que ser alguém bem educado, bem resolvido, bem vestido.

Por isso, não quero te encontrar em um restaurante. A rua tira um pouco do que cada um é de verdade. Eu já separei uma enorme pilha de filmes para assistirmos, mas você vai ter que parar de me oferecer seus lenços para eu limpar meu queixo sujo de molho de tomate. Estamos em casa, de pijamas listrados, com golas duras de pasta de dente. Mangas compridas limpas não têm a mesma graça. Usar talheres em casa não sacia a fome. Você dizer que me entende pelas músicas que mostrei é hipocrisia. Você não vai me entender até que seja obrigado a espanar as migalhas de pão da minha cama com o antebraço. Por favor, senta, deita, se enrola na coberta e deixa que amanhã o lençol já vai estar seco.

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