terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Pentimentos


“Pentimento” é a palavra italiana para arrependimento, mas designa (em muitas línguas) uma pintura, um desenho ou um esboço encoberto pela versão final de um quadro.

Às vezes, com o passar do tempo, a tinta deixa transparecer uma composição em cima da qual o artista pintou uma nova versão. Outras vezes, os raios-x dos restauradores desvendam opções anteriores, que permaneceram debaixo da obra final. Esses esboços ou pinturas, que o artista rejeitou e encobriu, são os pentimentos, que foram descartados sem ser propriamente apagados.

Visível ou não, o pentimento faz parte do quadro, assim como fazem parte da nossa vida muitas tentações e muitos projetos dos quais desistimos. São restos do passado que, escondidos e não apagados, transparecem no presente, como potencialidades que não foram realizadas, mas que, mesmo assim, integram a nossa história. Nossas vidas são abarrotadas de caminhos que deixamos de pegar; são todos pentimentos. 

Em geral, pensamos que nos faltou a coragem: não soubemos renunciar às coisas das quais era necessário abdicar para que outras escolhas tivessem uma chance. E é verdade que, quase sempre, desistimos de desejos, paixões e sonhos porque custamos a aceitar que nada se realiza sem perdas: por não querermos perder nada, acabamos perdendo tudo.

O problema dos pentimentos é que eles esvaziam a vida que temos. O passado que não se realizou funciona como a miragem da felicidade que teria sido possível se tivéssemos feito a escolha “certa”. Nem sempre os pentimentos são bons conselheiros. Hoje, é fácil esbarrar em espectros do passado: as redes sociais proporcionam reencontros improváveis e, com isso, criam pentimentos artificiais.

Somos perigosamente nostálgicos de escolhas passadas alternativas, que teriam nos levado a um presente diferente.  Os pentimentos não são necessariamente recíprocos, e os falsos pentimentos, revisitados, são pequenas receitas para o desastre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário