Dizem que se você andar na rua
olhando para as costas de uma pessoa por tempo o suficiente, ela,
eventualmente, vai se virar para te olhar. O que aconteceria? Como as outras
pessoas sentiriam nossos olhares sem nos ver? Imagino que a presença de um
estranho colado na sua traseira incomode ou, no mínimo, instigue a curiosidade,
ou qualquer coisa que deixe de fora a filosofia e a psicanálise. Desde que li
essa teoria, tenho me sentindo um tanto quanto invisível, passo o dia encarando
nucas e ninguém nunca, em nenhum momento, sentiu a necessidade de olhar para
trás - e me ver ali.
Observei junto com isso o limpar de lágrimas com o polegar, "Não fique
assim, vai dar tudo certo" e você vai e entrega sua mão como pára-brisa de
rostos tristes, mostra-se próximo, mostra-se sem receio de contaminar-se com
os sentimentos alheios, apenas mostra pois, quando o outro menos espera, lá
está você pondo-se a esfregar de volta os dedos enlagrimados nas costas do
mesmo indivíduo cujas lágrimas acabou de limpar, devolve esse suco de
sentimentos antes que suas próprias mãos os absorvam, e cria um círculo de
tristeza em volta da pessoa que não consegue ver para onde suas lágrimas
escoam, invisíveis são as lágrimas, invisíveis são os pequenos gestos - se
vistos com uma lupa podem até mesmo ser inexistentes.
A tristeza e a compaixão forçada que frequentemente nos sentimos obrigados a
unir em uma mesma cena, para mim, são o mesmo que o despreocupado que sai pelas
ruas e o outro que vai encarando seu pescoço por trás, o de trás é lágrima o da
frente é polegar, se a lágrima te encara por tempo demais você se sente
impelido a limpá-la com esse mesmo polegar. Talvez, então, eu não seja
invisível, apenas não tenho lágrimas, ou nunca consigo me fixar na mesma nuca
pelo tempo que é preciso para que ela olhe para trás - e me veja ali - quando
ela se vira eu já não mais estou, fui atrás de outro pescoço, persegui outro
transeunte sem rosto até a porta de casa, encarei outro polegar por mais de um
segundo esperando que ele entendesse e pegasse um colírio e me criasse lágrimas
- para depois limpá-las.
O tempo suficiente de cada nuca (para se virar) e de cada polegar (para servir
de toalha) são constantes, me parece, mas as lágrimas secam e quem anda na rua
nem sempre vai para o mesmo lugar, polegares e nucas precisam ser mais rápidos
na hora de secar lágrimas e olhar para trás, antes que as lágrimas evaporem e
chovam novas dores em cima de quem não se ofereceu para arriscar-se a
guardá-las nas veias, antes que quem anda atrás se canse, ou se distraia com um
outro pedestre ou com um saci - olhe para trás enquanto ainda estou aqui.
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