sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O extraordinário


Acordei com o coração meio apertado. Sabe os dias em que nos levantamos e parece que, apesar de muitas coisas estarem fora do lugar, o que é perfeitamente normal, há essa coisa que não sabemos localizar ou reconhecer, e que tem um peso a mais? E certamente tem mãos, ainda que imaginadas, porque nos aperta o coração ao mesmo tempo em que o afaga.

E me veio à cabeça um pensamento que já é antigo, porque eu costumava tê-lo quando ainda era uma menina. Depois ele adormeceu, e deu de hoje acordar. O pensamento que inquiria: qual foi a última coisa extraordinária que você fez?

A diferença é que, desta vez, eu fiquei em silêncio.

Lembro-me de responder a essa pergunta com as armas que tinha: quem eu era, as situações que vivia. Como quando cuidava da casa para que, quando chegasse, minha mãe não precisasse superar o cansaço que acumulara durante o dia para lidar com os nossos, e pudesse se deitar mais cedo, preparar-se para o dia seguinte, para a suntuosa repetição do árduo. Eu tinha lá meus doze, treze anos de idade, mas já respondia tal questão, confidenciando a mim mesma: foi extraordinário oferecer a minha mãe o tempo de descanso que ela merecia.

A cada dia era um acontecimento nomeado extraordinário, e naquela época, eu sequer sabia exatamente o significado disso. Porém, era extraordinário conseguir puxar baldes de água lá do poço e carregá-los, escada acima, para lavar a louça. E também perceber as folhas das árvores estampadas no chão de terra, depois de o quintal ter sido varrido. E fazer companhia a minha avó na hora da Ave Maria, para que pudéssemos ampliar os pedidos, mas principalmente, dar conta dos agradecimentos.

Acontece que, desta vez, eu recebo a pergunta com meu jeito de adulta com uma boa cota de desapontamentos. Um olho no peixe e outro no gato, porque não consigo reconhecê-la da mesma forma que antes.

Dou-me conta de que não me convence mais o qual foi a última coisa extraordinária que você fez? Assim como a definição de beleza, o extraordinário depende, completamente, da visão de seu autor. Percebo que há mais valor ainda em questionar: qual foi a última coisa extraordinária que a vida fez por você?

O que realmente me faz compreender o quão longe da sutileza do extraordinário eu ando, é que não há resposta que não seja pensada e repensada. Antes, lá na juventude da ansiedade em viver a vida, eu nem precisava pensar para responder: ajudar a construir o altar da parada da procissão, colocar meus primos na cama, não muito tarde, jogar queimada com os amigos da rua, levantar-me e ir para a escola aprender o futuro.

O que aperta meu coração, creio, é essa incapacidade de reconhecer o extraordinário no que, adulta que hoje sou, tornou-se a minha lista de necessidades. Acordo e me levanto com o dia programado e longo nos afazeres. E no final dele, aproveito as horas que me restam das 24 prometidas, e cumpridas, para pensar o que foi feito. E então, como pensar no extraordinário se, distraidamente, caminhamos em círculos?

Porém, tenho visto o extraordinário no outro, o que me empolga e traz alento. Como a forma educada com que o senhor ajuda o outro, afetado fisicamente pela idade avançada, a entrar no ônibus. Além da ajuda em si, há o sorriso desse homem, e ele é tão sincero que me comove. Sinceridade me comove.

Quando percebemos que não somos os verdadeiros autores dos acontecimentos extraordinários, tendemos a nos sentir desapontados, mas isso passa. Ainda que sejam esses acontecimentos cotidianos, pelos quais passamos sem a eles conceder a real importância. Acontece que nós gostamos da ideia de sermos autores, de celebrarmos a benevolência, como se tivéssemos, literalmente, a cultivado e feito florescer em solo infértil. Um pequeno milagre. Porém, o extraordinário vai além, tornando-nos instrumentos desses milagres, permitindo que o feito não seja apenas para nós mesmos.

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