Acordei com o coração meio apertado. Sabe os dias em que
nos levantamos e parece que, apesar de muitas coisas estarem fora do lugar, o
que é perfeitamente normal, há essa coisa que não sabemos localizar ou
reconhecer, e que tem um peso a mais? E certamente tem mãos, ainda que
imaginadas, porque nos aperta o coração ao mesmo tempo em que o afaga.
E me veio à cabeça um pensamento que já é antigo, porque eu
costumava tê-lo quando ainda era uma menina. Depois ele adormeceu, e deu de
hoje acordar. O pensamento que inquiria: qual foi a última coisa
extraordinária que você fez?
A diferença é que, desta vez, eu fiquei em silêncio.
Lembro-me de responder a essa pergunta com as armas que
tinha: quem eu era, as situações que vivia. Como quando cuidava da casa para
que, quando chegasse, minha mãe não precisasse superar o cansaço que acumulara
durante o dia para lidar com os nossos, e pudesse se deitar mais cedo,
preparar-se para o dia seguinte, para a suntuosa repetição do árduo. Eu tinha
lá meus doze, treze anos de idade, mas já respondia tal questão, confidenciando
a mim mesma: foi extraordinário oferecer a minha mãe o tempo de descanso que
ela merecia.
A cada dia era um acontecimento nomeado extraordinário, e
naquela época, eu sequer sabia exatamente o significado disso. Porém, era
extraordinário conseguir puxar baldes de água lá do poço e carregá-los, escada
acima, para lavar a louça. E também perceber as folhas das árvores estampadas
no chão de terra, depois de o quintal ter sido varrido. E fazer companhia a
minha avó na hora da Ave Maria, para que pudéssemos ampliar os pedidos, mas
principalmente, dar conta dos agradecimentos.
Acontece que, desta vez, eu recebo a pergunta com meu jeito
de adulta com uma boa cota de desapontamentos. Um olho no peixe e outro no
gato, porque não consigo reconhecê-la da mesma forma que antes.
Dou-me conta de que não me convence mais o qual foi a
última coisa extraordinária que você fez? Assim como a definição de
beleza, o extraordinário depende, completamente, da visão de seu autor. Percebo
que há mais valor ainda em questionar: qual foi a última coisa
extraordinária que a vida fez por você?
O que realmente me faz compreender o quão longe da sutileza
do extraordinário eu ando, é que não há resposta que não seja pensada e
repensada. Antes, lá na juventude da ansiedade em viver a vida, eu nem
precisava pensar para responder: ajudar a construir o altar da parada da
procissão, colocar meus primos na cama, não muito tarde, jogar queimada com os
amigos da rua, levantar-me e ir para a escola aprender o futuro.
O que aperta meu coração, creio, é essa incapacidade de
reconhecer o extraordinário no que, adulta que hoje sou, tornou-se a minha
lista de necessidades. Acordo e me levanto com o dia programado e longo nos
afazeres. E no final dele, aproveito as horas que me restam das 24 prometidas,
e cumpridas, para pensar o que foi feito. E então, como pensar no
extraordinário se, distraidamente, caminhamos em círculos?
Porém, tenho visto o extraordinário no outro, o que me
empolga e traz alento. Como a forma educada com que o senhor ajuda o outro,
afetado fisicamente pela idade avançada, a entrar no ônibus. Além da ajuda em
si, há o sorriso desse homem, e ele é tão sincero que me comove. Sinceridade me
comove.
Quando percebemos que não somos os verdadeiros autores dos
acontecimentos extraordinários, tendemos a nos sentir desapontados, mas isso
passa. Ainda que sejam esses acontecimentos cotidianos, pelos quais passamos
sem a eles conceder a real importância. Acontece que nós gostamos da ideia de
sermos autores, de celebrarmos a benevolência, como se tivéssemos,
literalmente, a cultivado e feito florescer em solo infértil. Um pequeno
milagre. Porém, o extraordinário vai além, tornando-nos instrumentos desses
milagres, permitindo que o feito não seja apenas para nós mesmos.
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