O sonho começa comigo mascando chiclete.
Possui sabor de tutti-frutti, daqueles que só havia na minha infância. Ele ocupa toda a minha boca. Com o tempo o sabor original se mistura a tudo que o ato de mastigar sem engolir drena de meu sistema digestivo, e o doce se torna ácido, azedo. A essa altura a goma já havia crescido e ocupado tudo, grudado em meus dentes, em minha língua, no céu da minha boca. Já não é possível me livrar do chiclete com um simples esforço.
Possui sabor de tutti-frutti, daqueles que só havia na minha infância. Ele ocupa toda a minha boca. Com o tempo o sabor original se mistura a tudo que o ato de mastigar sem engolir drena de meu sistema digestivo, e o doce se torna ácido, azedo. A essa altura a goma já havia crescido e ocupado tudo, grudado em meus dentes, em minha língua, no céu da minha boca. Já não é possível me livrar do chiclete com um simples esforço.
Levanto pra ir ao banheiro e separar a goma de minha boca.
Não há caminhos até o banheiro, gera um corte de
cena e me vejo debruçada na pia, mãos dentro da boca para desgrudar o chiclete, que demora a sair. Quanto mais eu puxo, mais
parece que sou eu me despedaçando ali. Já não há mais a cor falsa da goma
tutti-frutti. A porta começa a balançar e mal consigo grunhir para
avisar que o banheiro está ocupado.
Saio do lavatório ainda com a boca ocupada, sem conseguir me
expressar. Um homem grisalho e de suéter, me repreende.
“Depois desse tempo todo, você ainda não conseguiu?” Abaixo a cabeça, e ao levantar a vista me deparo com um avião vazio. Poucas
pessoas ocupam lugares esparsos. De vez em quando uma se levanta, se dirige
para a porta e pula. Ninguém parece se incomodar.
Olho pela janela e vejo apenas o céu matinal, tanto aos
lados quanto sob o avião. Pergunto à comissária se ainda é dia. “Ainda é dia,
mas não é mais cedo”. Questiono a altura em que nos encontramos. Ela ri.
“Altura? Acho que ainda nem saímos do chão”. Respondo com dificuldade, “E esse
azul sob a gente? E esse céu?” “Céu? Eu só vejo chão”. E saiu de perto de mim
para ir até a porta e pular.
Me sento
ao lado de uma senhora idosa. Ela me diz que adora conversar, mas que está
cansada e quer apenas ouvir uma canção. Faço sinal negativo com a cabeça; não
consigo nem mesmo balbuciar a frase explicando os motivos de não poder mais
cantar. Ela se irrita e diz que não canto porque não quero; se levanta, vai até
a porta e pula.
Vou até a porta também. Olho para baixo e vejo o mesmo azul
sem fim, sem norte, sem referência, sem profundidade. Um homem para a meu lado e diz que é gostoso pular, mas
que eu não deveria fazê-lo. Minha vontade é perguntar por que só eu não devo,
ou se ninguém deve, ou o que há de gostoso no azul, ou por que não consigo
falar. Em vez disso, olho para ele e aponto minha própria boca. “Você pôs na
boca o chiclete, não? Então fique firme e continue no avião”.
Com muito esforço, pergunto apenas “Por quê?” Ele me
responde: “Se você sair não há mais avião”, e me puxa para trás.
Caio de costas em minha própria cama, suada, com um filete
de sol em meu rosto. Ainda é dia, mas não é mais cedo.
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