Declaro que faço parte dessa juventude de olhos cegos,
mãos atadas e pensamento paralítico. Declaro que, no direito inalienável do meu
silêncio, compactuo com todas as atrocidades cometidas diariamente contra toda
sorte de pessoas: da fome ao preconceito, do desemprego à depressão. Declaro
ainda que, como representante da classe, penso apenas em mim, nas minhas coisas
e nos meus objetivos particulares. Desde cedo, aprendi que a felicidade é algo
que devo buscar por mim mesmo, algo que não pode ser construído coletivamente.
Prefiro indiscutivelmente ser um indivíduo a ser um cidadão. Esnobo a puta e o
mendigo, não os encaro. Percebo que sou frágil; tenho medo, muito medo. Da
morte, da solidão e da polícia. Não vou às ruas. Não tenho causas nem
preceitos. Não vejo motivo para protestos porque acho que as coisas estão indo
sempre muito bem. Declaro que não sou conservador nem liberal, porque pouco sei
da política. Como todos os outros, reclamo por entre os dentes, digo que o
Brasil não vai pra frente mesmo, que os políticos são todos uns safados.
Declaro que acredito na verdade que me chega pela televisão, não preciso de
outras fontes.
Minhas músicas são meu combustível diário, coloco os fones nos
ouvidos e afasto-me da realidade, crio uma barreira entre mim e o que acontece
ao meu lado. Declaro que sou guiado pelo prazer a qualquer custo, a qualquer
tempo. Sempre corro, não sei de quê, não sei pra onde. Prefiro não saber o que
nos move à frente, ou ainda, o que não nos move. Declaro que faço parte da
massa pálida e descafeinada que engrossa as filas de emprego sem se questionar
e sem protestar. Somos uns cordeiros, todos. Tenho fé ainda de que a felicidade
virá na caixa do Sucrilhos do dia seguinte. Declaro que meu projeto mais
ambicioso é erguer minha casa de gramado verde e cercas brancas e construir uma
família onde vivamos todos tal e qual o comercial de margarina.
Eu, filho do
carbono e do amoníaco, espero sempre. Pelo beijo ou pelo escarro. De minha
face, contudo, nenhum músculo se moverá. Declaro, em nome de todos que
represento, que optamos por ser assim, que é nossa escolha estar sempre indiferente
ao que quer que seja, que temos até um certo orgulho em não sermos mais do que
pedaços inertes de plástico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário