segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Verdade camuflada


Declaro que faço parte dessa juventude de olhos cegos, mãos atadas e pensamento paralítico. Declaro que, no direito inalienável do meu silêncio, compactuo com todas as atrocidades cometidas diariamente contra toda sorte de pessoas: da fome ao preconceito, do desemprego à depressão. Declaro ainda que, como representante da classe, penso apenas em mim, nas minhas coisas e nos meus objetivos particulares. Desde cedo, aprendi que a felicidade é algo que devo buscar por mim mesmo, algo que não pode ser construído coletivamente.

Prefiro indiscutivelmente ser um indivíduo a ser um cidadão. Esnobo a puta e o mendigo, não os encaro. Percebo que sou frágil; tenho medo, muito medo. Da morte, da solidão e da polícia. Não vou às ruas. Não tenho causas nem preceitos. Não vejo motivo para protestos porque acho que as coisas estão indo sempre muito bem. Declaro que não sou conservador nem liberal, porque pouco sei da política. Como todos os outros, reclamo por entre os dentes, digo que o Brasil não vai pra frente mesmo, que os políticos são todos uns safados. Declaro que acredito na verdade que me chega pela televisão, não preciso de outras fontes.

Minhas músicas são meu combustível diário, coloco os fones nos ouvidos e afasto-me da realidade, crio uma barreira entre mim e o que acontece ao meu lado. Declaro que sou guiado pelo prazer a qualquer custo, a qualquer tempo. Sempre corro, não sei de quê, não sei pra onde. Prefiro não saber o que nos move à frente, ou ainda, o que não nos move. Declaro que faço parte da massa pálida e descafeinada que engrossa as filas de emprego sem se questionar e sem protestar. Somos uns cordeiros, todos. Tenho fé ainda de que a felicidade virá na caixa do Sucrilhos do dia seguinte. Declaro que meu projeto mais ambicioso é erguer minha casa de gramado verde e cercas brancas e construir uma família onde vivamos todos tal e qual o comercial de margarina.

Eu, filho do carbono e do amoníaco, espero sempre. Pelo beijo ou pelo escarro. De minha face, contudo, nenhum músculo se moverá. Declaro, em nome de todos que represento, que optamos por ser assim, que é nossa escolha estar sempre indiferente ao que quer que seja, que temos até um certo orgulho em não sermos mais do que pedaços inertes de plástico.

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