Sempre quis ser feliz.
Ao conhecer a felicidade, passei a defendê-la. Passei a
me acostumar com ela e procurá-la onde já a tinha encontrado. Não procurava
onde não a conhecia. Eu gastava a felicidade de antes, a que existia em
momentos anteriores.
Minha felicidade logo virou a desconfiança de que os
demais cobiçavam. Logo virou a suspeita de que não poderia ser feliz, obrigada
a me conter. Caso demonstrasse, estaria esnobando. Alertando os ladrões. Não
podia sair mais com a minha felicidade. Escondia em casa, atrás dos livros.
Sem felicidade, aprendi a viver com a lembrança dela.
Estava quase feliz, remotamente feliz, pois poderia retornar à felicidade de
noite. Retornar à felicidade era meu jeito de ser feliz. Ou de parecer feliz
durante o dia.
Fiquei assustada quando alguém me falou que eu não era
séria, que precisava ser adulta. Tentei ser feliz e não rir. Logo, esquecia que
estava feliz e permanecia somente séria. A concentração para não rir me tirou a vontade
de falar.
Complicado o negócio de ser feliz. Desisti, portanto, de
minha felicidade para deixar os outros felizes. Abri mão das coisas. Quando um
ou outro estava feliz, eu não pensava em minha felicidade. Nem que a tinha escondido
para nunca mais rever. Já não me lembrava onde estava: atrás de que livro? Que
autor? Qual estante?
Não me constrangia em esperar. Até que bateu um remorso
por não ser feliz sozinha, afinal todos são felizes sozinhos. A dependência me
doía. Eu tinha que esperar que fossem felizes para me acalmar. Não que tivesse
deixado de ser feliz, eu esperava o reconhecimento deles para então perceber
que fui feliz.
O mesmo remorso de uma dona-de-casa depois de arrumar a
bagunça, sentar na cozinha, descobrir que o minuto de seu sossego é o cigarro e
que todo mundo vai esperar a casa limpa, como sempre, e nada será comentado.
Porque a casa limpa é invisível, como a felicidade.
A felicidade deles tornou-se minha infelicidade. Fui
cobrando a devolução dos dias felizes que dediquei à felicidade deles. Pedindo
a devolução das minhas semanas, uma por uma. Não conseguia diferenciar o que
era meu do que era deles.
Minha felicidade não era infeliz, mas sem assunto.
Confundi sem assunto com infeliz. Não tinha o que contar de mim, só deles. Eu
era mais a promessa de felicidade deles do que o meu passado.
Eles foram ficando tristes porque minha felicidade não
aparecia. Nem depois. Nem como véspera. Eles não sabiam como devolver minha
felicidade. Porque a felicidade deles também era me fazer feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário