Eu conheci um otimista na infância. Ele era um pouco mais
baixo do que eu, tinha olhos claros e a pele vermelha, falava baixo e nunca
mostrava os dentes durante as refeições. Nós crescemos juntos, passando todos
os verões, até o princípio da puberdade, viajando para a região dos lagos para
aproveitar melhor o sol. Ele me dizia que o otimismo tinha quatro pares de
patas e me mostrava cada uma delas na areia, saindo de um cilindro assimétrico
que desenhava com o dedo, pois naquela época eu não sabia ainda fazer contas e
precisava ver que eram oito com clareza para entender como podia o otimismo
subir pelas paredes e tecer em apenas uma noite enormes teias de seda para se
pendurar no teto.
Aos treze anos, mais ou menos, ele me disse que não mais me acompanharia nas
viagens de fim de ano e, quando perguntei o porquê, apenas me disse que
preferia as ruas asfaltadas entre as feitas de pedra. Não soube dele desde
então e, no ano seguinte, resolvi criar dentro de um pote de plástico com
algodão molhado o meu próprio otimismo.
Meu pequeno otimismo cresceu com um esqueleto rígido envolvendo seu corpo
diminuto e se alimentava uma vez por dia de pequenas porções de rotina que eu
colocava na beirada do seu algodão. Em pouco tempo, cresceram nele presas
curtas e enegrecidas as quais enfiava com alegria nas pequenas bolotinhas de
rotina, desenvolvendo o estranho hábito de sugar de uma só vez seu conteúdo
mole e gratificante, deixando penduradas no tecido que contornava o plástico
carcaças recheadas de um tédio pegajoso que introduzia no lugar e envoltas em
fios de desespero que desenrolava da própria saliva.
Meu otimismo, então, tinha quatro pares de patas, três segmentos de corpo e um
esqueleto sólido envolvendo o tórax. Vivia nos pequenos paraísos de escuridão
do meu quarto e entrava nos sapatos suados e impregnados de boas intenções
passadas de prazo que eu costumava colocar para arejar em algum desses cantos
aonde o frescor da madrugada fazia a curva durante a noite; entrava nos sapatos
e esperava pacientemente para inocular suas toxinas na minha pele vulnerável
quando eu chegava para esmagá-lo pela manhã.
Demorou bastante tempo até que eu compreendesse que o otimismo é a ruína da
rotina e do convívio diário e percebesse que os otimistas, dentre as suas
tantas peculiaridades, jamais andam olhando para o chão e, por isso, enfiam os
saltos nas porções de terra entre os calços das ruas de pedra.
Portanto, antes que me arrancasse o privilégio de andar de cabeça baixa e de
contar as vezes que meus pés tocam as linhas da calçada, resolvi que não podia
mais criar a criatura selvagem dentro de um quarto/sala (talvez se eu morasse
em uma casa com jardim, quem sabe). Deixei meu otimismo em um retiro de
artistas, para que não se consuma sozinho com suas próprias expectativas, para
que emoldure seus sonhos e os pendure em uma parede amarela de tinta e velhice,
para que assista o desengano alheio explodindo em uma constante festa de
despedida ao seu redor e não se sinta tão sozinho como na minha gaveta ou no
meu sapato, comendo do pouco que restou dentro de mim para alimentá-lo além da
realidade.
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