sábado, 18 de fevereiro de 2012

A história completa de Ada


Ada fingiu a vida inteira mas nunca deixou de procurar a verdade. Sempre uma tosse de angústia na boca do peito. Sempre um motorzinho acelerado enjoado lá pro meio de algo que fica dentro. A língua travava de vontade de mudar todo o discurso pronto e dizer apenas a verdade. Mas qual era a verdade?


Então Ada seguia fingindo. A vida inteira. Estudou um monte de coisa que se embaralhava na sua frente, mas fingia acreditar que aquilo a levaria para algum lugar. Um lugar com novos amigos e novos projetos, talvez. Talvez essa fosse a verdade que purificaria tanta coisa sem sentido. Mas também não era isso porque, com esses amigos e projetos, Ada seguia fingindo. De fingir estudar passou em tudo que fingiu se importar. De fingir curtir as festas e os amigos e aquilo tudo, Ada vivia em álbuns felizes e acabava feliz. De fingir amar, acabou chorando e doendo e escrevendo tantas coisas bonitas. Ada seguia fingindo o tempo todo. Às vezes, com medo de morrer soterrada por tanto teatro, Ada segurava firme no fundo dos olhos de alguém e dizia: a verdade é que, a verdade é que. E a pessoa, caso fosse assim como Ada, uma pessoa especial (porque quem procura essa verdade sempre é) só dizia: eu sei, eu sei. E era isso. Um momento especial, de verdade, sem a bola de pêlo presa na goela. Sem a tosse de angústia, tentando soltar algo pro ar entrar.


Mas que algo? Então Ada ia ao psiquiatra e dizia não entender todas essas coisas que acabam acontecendo porque acontece com todo mundo. Mas pra quem? Qual é a verdade? Todos caminhando, todos com horários, todos de volta, cansados, o cérebro já bem gasto, agora podemos dormir. Pra amanhã mais e mais. E Ada ia. Como na hora do rush do metrô.


Empurrada pela multidão sem verdade pra dentro de algo que leva pra algo. Eles precisam pagar as contas, diria sua mãe.  Ter um problema sério nos ocupa de não ter o problema real. O problema real é que não dá pra calar a cabeça procurando a verdade. Onde está a saída daqui? O tempo todo essa pergunta: onde está a saída? Qual o caminho mais rápido para a minha cama, o silêncio, o escuro. Ada abraça as pernas, como criança, e se diz baixinho: não dá pra saber a verdade, não dá pra parar a cabeça, nada parece realmente o que é, hoje eu não disse o que realmente queria, aquelas pessoas não sentem aquilo que demonstram, eu pouco me importo com 70% dos preenchimentos do meu dia, mas é preciso chegar até amanhã.


É preciso chegar. Ada se formou, trabalhou, viajou, escolheu fazer a cirurgia, escolheu ver a novela ao invés do filme, escolheu dormir até mais tarde. Sem saber a verdade, Ada escolheu viver. No último segundo, até porque prometi que essa era a história completa de Ada, Ada descobriu algo que nunca mais poderá contar a ninguém. Só o que sabemos é que, em sua última sugestão do que seria a verdade, ela sorriu como sorrimos para um bebê quando ele se levanta bem compenetrado depois de desabar.

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