Imagine que tenho uma mala muito pesada com um milhão
de moedas de ouro. As alças ficam penduradas no meu pescoço, me forçando
a cabeça para baixo, retesando os músculos do olhar pra frente.
Vez ou outra, uma pessoa da rua passa e tenta me
roubar. Mas, por mais que esteja tão pesado e doendo e estragando a
minha coluna, luto até a morte pra proteger a tal da mala.
Automaticamente me atiro contra o chão, como se protegesse um filho das
balas. São terríveis esses quilos centralizados no ponto mais fraco do
meu corpo, mas pra violência a gente não entrega nem os fardos.
Também, às vezes, uma pessoa da rua se
oferece pra carregar a mala pra mim. Ou pra guardar em sua casa. Ou pra
dividir o peso ao estilo “uma mão em cada alça”. Também não consigo
entregar meu arqueamento e tamanho para essas pessoas. O amor gentil
nunca me conquistou. Gentileza é coisa pra quem nunca será íntimo.
Solidariedade é coisa pra campanha política. Felicidade é pra quem se
conforma em ficar num lugar só porque está bom.
Mas muito de vez em quando, como acontece, aparece uma pessoa que não me pede nada e pra quem eu tenho
vontade de entregar cada moeda da minha mala com um milhão de moedas de
ouro. Tome, leve, gaste, use, encha a sua banheira com elas e depois me
mande uma foto.
Eu sou uma mendiga ao contrário.
Não são por essas coisas que não se ama. Não são
por essas coisas que se ama. Essas são apenas as coisas sobre as quais
conseguimos falar na nossa ânsia de ocupar a cabeça enquanto nos
encaramos um pouco assustados.
A verdade é que, no meio da multidão, estamos
carregando nossas malas pesadas de riquezas e belezas e sentimentos. E
uma hora, só porque acontece e não se pode explicar sem parecer ingênuo e
arrogante, escolhemos uma pessoa que nos leve.
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