sexta-feira, 15 de abril de 2011

Pedro.

Antes de eu conhecer os prazos, a rotina, a pressão, as contas – antes disso tudo veio o Pedro, marxista e contraditório, ensinando coisas bonitas como a eudaimonia de Aristóteles. Tinha uma simplicidade encantadora e apaixonável.
Assim: simples, encantador, apaixonável.
Às vezes ele me levava pra casa dos pais dele na praia e me acordava de madrugada, vem, vamos ver o sol nascer.
Eu ia, todas aquelas cores e aquele mar que era tão como eu, assim inconstante e indo e vindo e aquela canção que era sempre a mesma e não terminava nunca. Não havia gente vendendo sorvetes baratos e a areia não me irritava.
Outras vezes a gente passeava de mãos dadas pelo calçadão e ele parafraseava Gandhi – todas essas coisas que eu não preciso – e eu retrucava, como assim, aquela sapatilha é tão linda. A gente escolhia um barzinho e falava de filosofia e literatura. Você pedia cerveja – a única coisa que você bebia era cerveja – e eu acompanhava. E pensar que hoje, Pedro, eu só tomo drinks destilados com nomes em inglês, cercada de pessoas que eu nem me esforço para lembrar o nome. Todas vestindo sapatilhas baratas.
Quando você tinha preguiça de dirigir e a gente resolvia ir pra o porto de trem, você segurava minha cintura enquanto a gente tentava não se desequilibrar no meio de toda aquela gente. Eu lembro como eu adorava quando outro trem passava no trilho do lado e a lufada de vento bagunçava meu cabelo, como se o tempo tivesse parado. Eu não me importava com os bebês chorando e os velhos tossindo. À tardinha o sol deixava os vagões meio tingidos de dourado e eu suspirava, é, Pedro, neste exato minuto eu amo você para sempre. Hoje eu lembro de tudo o que você me ensinou sobre auto-engano, mas a verdade é que naquele minuto eu amei você para sempre.
Eu dizia, Pedro – soltando a fumaça do meu Nat Sherman Fantasia cor de rosa – Pedro, você é bom demais para existir. Não bonzinho do tipo ingênuo, você é cheio de bondade, uma bondade tipo Jesus Cristo. Você não existe, mas vai ser crucificado.
Ele ria, exibindo a covinha na bochecha esquerda e falando que eu levava as coisas a sério demais. Pedro era mais velho que eu e tinha a leveza de uma criança.
Às vezes eu passava a noite no apartamento dele e ele me acordava de madrugada, vem na varanda ver o sol nascer. Pedro, pára com isso e me deixa dormir, eu tenho que trabalhar amanhã. Às vezes eu implicava com algo idiota só para ver você gritando e batendo a porta, só para ver que você também podia odiar. Depois eu chorava, frustrada.
Pedro sempre voltava, todo carpe diem, fugere urbem e outras expressões em latim, enquanto eu era a própria filha de Sartre, o Mal do Século, querendo coisas só porque eu não podia tê-las. Eu me arrastei durante os anos e Pedro sempre explodia, sorrindo, me jogando na piscina mesmo sabendo que eu não tinha roupa pra trocar, insistindo para eu tomar sol, não, Pedro, eu gosto de ser morena-defunto.
Pedro cheio de moralismos, Pedro que me abraçava forte antes de eu viajar, Pedro ouvindo Avanged Sevenfold alto demais, Pedro e sua mania de andar descalço, Pedro e aquelas pintinhas no rosto. Pedro era o frio na barriga antes da montanha-russa, era o gosto daquele doce esquecido na infância.
Pedro, como todas as coisas boas, ficou para sempre – penso eu, enquanto acendo outro Nat Sherman Fantasia azul -, Pedro ficou para trás quando eu gritei chega e bati a porta. Chorei, frustrada, ele é bonzinho demais pra existir e eu vou ser crucificada. Não voltei.
Pedro foi o meu maior acerto.

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