sexta-feira, 25 de março de 2011

Metallica.

Se jogou na cama e fechou os olhos. Era o jeito mais fácil de se isolar do mundo naquele momento. Esticou o braço e alcançou o controle do som às cegas. Já esperava o primeiro acorde do cd do Morphine. Ia chorar muito. Precisava colocar aquele nó pra fora. Mas algo saiu errado. Aquele acorde não era Morphine. Demorou a reconhecer, apesar de tão familiar. Black álbum. Metallica. Era isso. Há quanto tempo não escutava? Imaginou se foi sua colega de apartamento quem colocou o cd lá, porque ela mesma nem lembrava que ele existia.
Pensou em levantar e mudar de música. Afinal, queria chorar. Sentia um cansaço grande e estava disposta a se entregar completamente. Não bastassem aqueles dias intermináveis de chuva, infiltração no banheiro, falta de grana e cabelo totalmente sem corte, tinha ele pra piorar. Por que tinha que ser tudo tão difícil? Mas ali naquela cama, ela não queria pensar nele. Preferia chorar sem motivo aparente, mas pensar nele não. Quando ela chorava, as coisas melhoravam um pouco por dois, três dias.
Mas aí começa Sad but True e ela se desconcentra. O passado rouba a cena e enxuga a lágrima que já ia caindo. A imagem chega a ser engraçada. Ela, com sua camiseta preta, cabelos vermelhos batendo na cintura, unhas pretas, enlouquecendo com o Black Álbum. E mesmo depois de anos sem escutar o disco, ela riu ao perceber que ainda sabia a letra.
Pensou em interromper tudo só pra ligar ele e dizer “você não sabe o que eu tô escutando.” Só freou o movimento porque já sabia o que ele ia dizer. Estaria ocupado trabalhando ou simplesmente fazendo algo mais importante. Tudo era mais importante.
The Unforgiven começou e ela nada de chorar. Lembrou do clipe que amava, dos amigos da adolescência. Planejavam montar uma chapa pro grêmio do colégio, ajudar crianças pobres, abrir uma loja de vinis raros. Dinheiro pra quê? Poderiam viver felizes com o básico, fazendo o que amavam. Ninguém sabia o que era ser adulto ainda.
Sentiu saudade da coragem que tinha, da disposição em fazer diferente. Tinha 16 anos e uma infinidade de anos mais pela frente. Mas por que diabos tinha que achar que agora, aos 32, não havia tempo para mais nada? Que pânico era esse que a congelava e fazia aceitar tanta merda?
Quando Nothing Else Matters já estava na metade ela decidiu que não desapontaria aquela menina de 16 anos. Senão fosse por ela, ali, no presente, seria pelo que ela já imaginou que faria de sua vida. Cansou de agir como adulta, responsável. De se contentar com menos, com panelas ruins que deixam a comida grudar no fundo, com gente mal educada. Ia fazer uma faxina.
Antes que o CD terminasse e levasse o impulso embora, pulou da cama e correu para o telefone. Ligou rápido para ele antes que desistisse. Ele atendeu já advertindo que estava sem tempo.
- É rápido.
- Diga.
- Vai tomar no cu.
E desligou. A atitude, aparentemente imatura, nunca soou tão adulta. Prometeu pra si mesma que não tiraria o CD antes de repetir a dose com seu chefe, com o vizinho de cima e com a caixa grossa da padaria. Não ia mais chorar sozinha pelos problemas dos outros. Três meses depois, guardou o CD, antes que ficasse conhecida como uma louca desbocada. Agora ia entrar em uma nova fase. Não deixaria que nada mais chegasse a ponto de ter que mandar alguém tomar no cu. Mas deixou o CD ali, bem a vista. Nunca se sabe, pensou.

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