domingo, 5 de setembro de 2010

"What's your name?"

Tenho apreço por nomes. Deve ser de família. Minha mãe se preocupa tanto com isso que, quando minha irmã nasceu, não conseguiu decidir entre os nomes pré-selecionados. Queria sentir qual deles combinava mais com a personalidade da menina, na ocasião um joelho que só se expressava através do choro. Durante quase seis meses, fomos obrigados a chamá-la, alternadamente, de Isadora, Chiara e Bruna, gerando tamanha confusão mental no bebê que até nosso gato, quando chamado, atendia com mais prontidão. Ainda que tenha achado a experiência exagerada, entendo a sua motivação. Nomes têm o poder de influir no destino do nomeado. E não digo isso com base na onomástica ou na cabala, mas em outra escola tão poderosa quanto: o mau gosto.

Ouvi falar de um pai que queria registrar o filho como Rambo. O funcionário do cartório tentou dissuadi-lo, dizendo que Rambo não era um nome propriamente dito. Depois de muita conversa, chegaram num consenso e o filho foi registrado como Sylvester Stallone. Escapou de ser título de filme, mas continuou carregando nas costas um peso pesado. Imagino o primeiro dia de aula do garoto. Sylvester Stallone!, a professora deve ter chamado, e todos viraram para trás, esperando uma imensa massa de músculos e, ao verem um menino franzino, ainda cheirando a fraldas, devem ter caído na gargalhada, dando início a uma sucessão de constrangimentos que devem tê-lo acompanhado por toda a sua vida.
É inegável: nomes compõem uma imagem. Os artistas têm tanta consciência disso que sempre apelaram sem culpa para os pseudônimos. Sabe quem foi Agenor de Miranda Araújo Neto? O Cazuza. Dá para imaginar os fãs gritando “Agenor! Agenor! Agenor!”? Era capaz de os mais desavisados nem comprarem o disco, achando se tratar de um cantor de pagode. Se Xuxa não tivesse adotado outro nome, seu programa se chamaria Show da Maria da Graça, interessante só para os baixinhos evangélicos, e olha lá. E o que dizer de Malba Tahan? Esse escolheu um pseudônimo tão persuasivo que eu passei a infância inteira achando que lia um escritor árabe, quando na verdade lia o brazuca – e muito esperto ¬– Júlio César de Melo e Sousa.

Na literatura os nomes também têm um papel relevante, já que servem de ferramenta para definir o personagem. Nesse caso, a personalidade nasce antes e o nome vem como uma extensão dela, atingindo um grau de coerência raro no mundo dos mortais. Capitu consegue condensar, em seis letras, toda a aura de mistério e sedução da personagem. Uma Terezinha de olhar oblíquo e dissimulado não fascinaria tantos os leitores. Lewis Carrol acertou chamando sua personagem de Alice. Fosse Cassandra no País das Maravilhas e o público pensaria se tratar das aventuras de uma garota pervertida com um coelho ninfomaníaco.

Seja na ficção ou na realidade, há, por trás de cada nome, a projeção de um desejo. Todos querem promover socialmente o seu rebento, muitas vezes lançando mão de firulas indizíveis para atingir esse objetivo. As classes mais baixas apelam para o status do inglês, dando origem a Maycons, Uóchingtons, Gecicas e outras pérolas que, ironicamente, nem os anglo-saxões conhecem. Já a classe média – sempre cansada de ser mediana – tenta elevar o filho apostando em nomes aristocráticos ou na grandiosidade dos sufixos: “Cassio é simples demais. Vamos pôr Cassius. Ou, melhor ainda, Cassius Frabricius”. Com as classes mais altas, o ciclo se inverte. Esses buscam a simplicidade. Não porque não queiram provar nada para ninguém – no fundo, todo mundo quer –, mas porque o que querem provar é justamente que estão acima das aspirações sociais e, portanto, podem se dar ao luxo do despojamento impresso em Claras, Pedros e Marias.

Num mundo de anseios tão diversos, o resultado é uma sociedade formada por RGs que vão de Jesus Krystos a Darkison Wilsons. O que, no final das contas, não é de todo mau, pois faz com que uma pergunta tão banal quanto “qual o seu nome?” seja o começo de uma conversa, no mínimo, divertida.

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