Tenho apreço por nomes. Deve ser de família. Minha mãe se preocupa tanto com isso que, quando minha irmã nasceu, não conseguiu decidir entre os nomes pré-selecionados. Queria sentir qual deles combinava mais com a personalidade da menina, na ocasião um joelho que só se expressava através do choro. Durante quase seis meses, fomos obrigados a chamá-la, alternadamente, de Isadora, Chiara e Bruna, gerando tamanha confusão mental no bebê que até nosso gato, quando chamado, atendia com mais prontidão. Ainda que tenha achado a experiência exagerada, entendo a sua motivação. Nomes têm o poder de influir no destino do nomeado. E não digo isso com base na onomástica ou na cabala, mas em outra escola tão poderosa quanto: o mau gosto.
Ouvi falar de um pai que queria registrar o filho como Rambo. O funcionário do cartório tentou dissuadi-lo, dizendo que Rambo não era um nome propriamente dito. Depois de muita conversa, chegaram num consenso e o filho foi registrado como Sylvester Stallone. Escapou de ser título de filme, mas continuou carregando nas costas um peso pesado. Imagino o primeiro dia de aula do garoto. Sylvester Stallone!, a professora deve ter chamado, e todos viraram para trás, esperando uma imensa massa de músculos e, ao verem um menino franzino, ainda cheirando a fraldas, devem ter caído na gargalhada, dando início a uma sucessão de constrangimentos que devem tê-lo acompanhado por toda a sua vida.
É inegável: nomes compõem uma imagem. Os artistas têm tanta consciência disso que sempre apelaram sem culpa para os pseudônimos. Sabe quem foi Agenor de Miranda Araújo Neto? O Cazuza. Dá para imaginar os fãs gritando “Agenor! Agenor! Agenor!”? Era capaz de os mais desavisados nem comprarem o disco, achando se tratar de um cantor de pagode. Se Xuxa não tivesse adotado outro nome, seu programa se chamaria Show da Maria da Graça, interessante só para os baixinhos evangélicos, e olha lá. E o que dizer de Malba Tahan? Esse escolheu um pseudônimo tão persuasivo que eu passei a infância inteira achando que lia um escritor árabe, quando na verdade lia o brazuca – e muito esperto ¬– Júlio César de Melo e Sousa.
Na literatura os nomes também têm um papel relevante, já que servem de ferramenta para definir o personagem. Nesse caso, a personalidade nasce antes e o nome vem como uma extensão dela, atingindo um grau de coerência raro no mundo dos mortais. Capitu consegue condensar, em seis letras, toda a aura de mistério e sedução da personagem. Uma Terezinha de olhar oblíquo e dissimulado não fascinaria tantos os leitores. Lewis Carrol acertou chamando sua personagem de Alice. Fosse Cassandra no País das Maravilhas e o público pensaria se tratar das aventuras de uma garota pervertida com um coelho ninfomaníaco.
Seja na ficção ou na realidade, há, por trás de cada nome, a projeção de um desejo. Todos querem promover socialmente o seu rebento, muitas vezes lançando mão de firulas indizíveis para atingir esse objetivo. As classes mais baixas apelam para o status do inglês, dando origem a Maycons, Uóchingtons, Gecicas e outras pérolas que, ironicamente, nem os anglo-saxões conhecem. Já a classe média – sempre cansada de ser mediana – tenta elevar o filho apostando em nomes aristocráticos ou na grandiosidade dos sufixos: “Cassio é simples demais. Vamos pôr Cassius. Ou, melhor ainda, Cassius Frabricius”. Com as classes mais altas, o ciclo se inverte. Esses buscam a simplicidade. Não porque não queiram provar nada para ninguém – no fundo, todo mundo quer –, mas porque o que querem provar é justamente que estão acima das aspirações sociais e, portanto, podem se dar ao luxo do despojamento impresso em Claras, Pedros e Marias.
Num mundo de anseios tão diversos, o resultado é uma sociedade formada por RGs que vão de Jesus Krystos a Darkison Wilsons. O que, no final das contas, não é de todo mau, pois faz com que uma pergunta tão banal quanto “qual o seu nome?” seja o começo de uma conversa, no mínimo, divertida.