sábado, 7 de agosto de 2010

Dercy nossa, que estais no céu.

A idéia que eu fazia de Purgatório era diferente.
Imaginava um tipo grandioso de quiosque lá em cima no céu, com ar de qualidade, bastante respirável e cristalino. Uma luz diáfana como as que se vê com facilidade em ilustrações bíblicas perfuraria com suavidade as nuvens de algodão divinas.
À frente desse quiosque magistral, mais precisamente em seu portal, haveriam imponentes arcanjos à espera daqueles que chegassem de suas vidas terrenas.
Ao fundo, num trono, o Poliarca estaria pronto para ouvir - com compaixão cristã - a trajetória de cada vivente.
Mas lamentavelmente tive meu passamento, fui para lá e não era nada disso.
Mal tive tempo de perceber que já era e estava num lugar penumbroso, úmido e com cheiro de desinfetante de eucalipto barato, desses usados em banheiros públicos.
Os candidatos a entrar no Firmamento, entre eles eu, estavam todos espremidos numa salinha suja e tão escura que não se conseguiria reconhecer o Jô Soares pelado, lambrecado de marshmallow, fumando um Cohiba.
Havia um silêncio pesado, que logo foi interrompido por uma incômoda microfonia. Uma voz de homem, com forte sotaque hebraico, disse num português carregado:
- Faz favor, a próximo!
Ouvi um resmungo de enfado e, em seguida, ruídos de saltos altos femininos ecoarem pela sala: toc, toc, toc, toc.
Era alguém indo para “patíbulo”.
Apurei ao máximo a audição. A voz masculina vinda do sistema de som aumentou de volume se expandindo para todas as alas fétidas do Purgatório. Era como se todos precisassem escutar a entrevista final uns dos outros.
- Nome? - Dercy. - Profissão senhora? - Puta. - Senhora ter certeza que profissão senhora essa? - Porra, e tu acha que tem diferença entre uma atriz e uma puta? - Descreve vida senhora no Terra, faz favor. - Uma merda. - Ficha senhora diz: senhora mulher famosa. - Famosa? Ai meu caralhinho! Adianta ser famosa e só tomar na tarraqüeta? - “Tarraqüeta”, faz favor, explica melhor palavra? - Cu. Que adianta ser famosa e só tomar no meio do cu? - Por que senhora “tomar em seu tarraqüeta” assim, tempo todo? - Porque fui burra pra caralho, meu filho. Sai da minha cidadezinha no interior, me meti a fazer teatro de revista e só conheci homem filho da puta na minha vida. Só bundalelê, seu padre. - Eu não ser padre, senhora. Eu ser Poliarca. - Poliarca, patriarca, pederasta, eu sei lá o que tu é. Eu sei é que eu tô com uma fome fodida. Não tem nada pra comer nessa boceta não? - Senhora, faz favor... - ...é só um bando de nêgo fantasiado de franga olhando pra gente com cara de cu, parece que alguém enrabou a mãe deles. Que porra de lugar escroto é esse aqui, seu Pederasta! - Senhora estar na meio caminho para Céu ou Inferno. Aqui não ter nada para senhora comer. - Puta que pariu, não tem nem uma carninha batida com quiabo nessa porra? - Lamenta dizer que não, senhora. - Olha aqui, seu Pederasta, se isso aqui for uma pegadinha da Globo, rescindo meu contrato na hora, tá sabendo? Aí eu quero ver essas merdas dos programas de vocês darem audiência sem meus xingamentos! Se eu não comer em cinco minutos, vou botar pra foder nesse rendez-vous de viado! - Mas senhora não entende? Senhora morreu! - Quem morreu foi você, seu santo do caralho oco! Eu tenho 100 anos e um puta público que me adora, entendeu bostalhão? Me bota num palco aqui e tu vai ver se eu não faço esses teus anjos baitolas rirem até estourarem as pregas do rabo. Vai, anda!
Nesse momento, houve uma grande e aguda microfonia. O sistema de som tinha sido cortado. Contudo, passados alguns momentos, foi novamente religado. Depois de um pigarro e uma tosse fraca vinda das caixas, pude ouvir a voz com sotaque europeu oriental mais uma vez:
- A próximo, faz favor.
Agora era a minha vez.

Um comentário:

  1. Não te sigo DEEESDE o começo. Não tive o baita prazer de te "conhecer" antes. Mas a partir do momento em que começei a ler, gostei.
    Daí passei a te seguir e ler os posts mais antigos...
    Então, não some mesmo não.
    ^^

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